quarta-feira, 10 de junho de 2015

Sonhar alto x Sonhar grande

Por toda a minha vida, pensei que devia sonhar alto. Fui ensinado que todo zé ninguém tem de se esforçar para ser alguém na vida, para dar orgulho a quem o criou ou ao lugar de onde vem. Todos ao meu redor esperam de mim que eu alcance um lugar legal lá no futuro, que eu suba no palco e fale no palanque e seja a escultura que alguém há de colocar no pedestal. Todos desejam por mim que eu faça um sucesso estrondoso e fique famoso e deixe uma marca material no mundo e publique o livro mais vendido de todos os tempos. Todos têm por mim uma grande expectativa. E ficam na minha cabeça: "esse vai chegar longe", "esse vai ganhar dinheiro", "esse isso, esse aquilo, esse assim, esse assado".

Bem, surpresa! "Esse" era para ser eu. Hoje eu me peguei pensando no que eu mesmo espero de mim, no que eu mesmo quero - ou no que penso que quero, ou que não quero. Enfim... Hoje eu me peguei pensando: não é assim que a banda toca. Não me vejo mais galgando os passos que as expectativas alheias me impõem. Acho que cansei de sonhar alto. Agora, eu quero sonhar grande. 

Gente que sonha alto quer o melhor lugar ao sol, quer ser a bolacha com mais recheio, o filhote que ganha mais leite na ninhada. Gente que sonha grande quer fazer sentido no mundo, quer que seu lugar ao sol seja bonito e tenha vista para o mar. Eu acredito que sonhar grande há de me levar mais longe. Que eu não quero chegar ao alto e ter de apertar meus olhos para enxergar os que ficaram lá embaixo. Eu não quero ser içado para o infinito e deixar para trás aquilo que faz sentido no chão. 

Não quero ser a folha na copa da árvore que não sabe da existência da raiz. Talvez eu queira ser a folha que se desprende do galho antes, a folha que voa e descobre o céu. Talvez eu queira só ser uma folha normal, verde e cheia de veios. Talvez eu queira apenas ser molhado de orvalho e sentir as patas dos insetos sobre mim, e vez ou outra abrigar seus ovinhos. Talvez eu queira ser a flor, não a folha. Talvez até o fruto. Quem sabe?


Não sei exatamente o que me reserva o futuro. Mas sei que eu não quero ser aquilo que esperam de mim. Sonhar alto é complicado demais. Sonhar grande é mais simples: tudo o que eu quero é ser poeta, amar, ser amado e ser feliz.

terça-feira, 2 de junho de 2015

REPRESENTATIVIDADE IMPORTA


Eles pensaram que nós ficaríamos quietos, diante do ódio. Pensaram que silenciariam nossa voz, que nos dariam motivos para vergonha ou que nos desmoralizariam. Pensaram que não tínhamos com quem contar. Mal sabiam que a maior das armas era nossa: o amor. E o amor contra o ódio sempre vence; contra o preconceito, sempre se destaca. O amor que nos une não é o mesmo “amor” que, pelas mãos deles, nos pune.
Os números pouco importam. O que importa é que não são eles, os que odeiam, os únicos com poder para mobilizar uma luta. A nossa luta é em favor. A deles, é contra. A nossa luta é por igualdade, por representatividade, por reconhecimento. A deles, por exclusão, pelo “direito” de chamarem de opinião o preconceito. Mas não passarão.
Não nos dá prazer esse embate. No entanto, nos deixa feliz a prova irrefutável de que conquistamos, aos poucos, representatividade e reconhecimento:
- Primeiro, pela empresa O Boticário, que resolveu incluir casais homoafetivos em sua campanha, mostrando que existe amor além da "família tradicional brasileira". Não me interessa se o fizeram para conquistar público, para oportunizar a polêmica ou para realmente realçar as várias faces do amor. Me interessa que o fizeram. Me interessa que assim nos deram o reconhecimento devido, pelo menos naquele momento de ficção veiculado pela campanha, o que já é um grande passo. REPRESENTATIVIDADE IMPORTA.
- Segundo, mas não menos importante, por todos que se empenharam em provar que a intolerância não representa a maioria e não nos calará, mesmo que tente por seus fins, justificar seus meios cruéis de ataque. A esses aliados, homossexuais ou não, agradecemos efusivamente. Por esses, enxergamos futuro promissor para a família brasileira. Com esses, a luta continua.
A batalha iniciada por aqueles que nos odeiam por não termos a mesma orientação sexual nos magoa profundamente, ainda que desta vez tenha sido virtual. Mas nós soubemos nos defender à altura. Nós não nos pautamos no ataque. Nós não nos baseamos na intolerância. Nós nos defendemos com amor.
E é por causa do amor que eles não passarão.
Guilherme Ferreira Aniceto

terça-feira, 19 de maio de 2015

Carta a um homofóbico

O que me deixa triste é o fato de eu ter milhões de defeitos e a única coisa que realmente incomoda aos outros é a minha sexualidade. A única coisa que é só minha, que não diz respeito a ninguém além de mim, é também a mancha que as pessoas enxergam na minha personalidade.

Por que não me culpam por ser antipático? E o que me dizem de ser teimoso demais? E quanto à minha dificuldade em fazer amigos? E os meus momentos (vários) de reclamar da vida? Eu não compreendo, me recuso a tentar compreender que a homossexualidade seja um defeito.

Me recuso a assumir esse papel de vítima conformada e submissa ao padrão normativo, forçada a fingir e sorrir amarelo diante da violência verbal contra mim ou contra quem eu represento. Ainda que haja violência, defenderei meu direito de ser quem eu sou, de amar quem eu amo, de não me deixar vencer. O amor diz respeito a quem ama. O amor não é uma mancha.


A você, homofóbico, deixo um recado: tudo bem, de verdade, você não aceitar, não se sentir confortável. Eu entendo que a sua consciência não esteja preparada, ou que o seu caráter não tenha sido construído com respeito. Você não será obrigado a casar com ninguém do mesmo sexo, nem será convidado ao meu casamento. Fique tranquilo quanto a isso.

Mas conviver comigo talvez seja inevitável. É ruim para mim também ter de conviver com você, ter de ouvir o que você diz. Mas o que se pode fazer? Você, homofóbico, tem as mesmas chances que eu tenho de crescer na vida, na mente e no espírito. Então, vez ou outra, nos encontraremos na estrada. Faz parte.

No entanto, para mim é claro que a sua dificuldade em aceitar as pessoas como elas são é um problema seu. A sua predisposição em enxergar o mundo sob as suas cores somente é um problema seu. O fato de você me ver como um leproso que precisa de cura é um problema seu. Eu não sou o erro nessa história. Mas eu faria tudo que estivesse ao meu alcance para que o seu preconceito fosse desconstruído. Eu até te abraçaria e te diria palavras amenas. Eu até assumiria a responsabilidade pela sua leviandade se isso me desse a certeza de que dali em diante você seria diferente.


Porque eu acredito, com todo o meu coração, que não se pode ser ex-homossexual, ainda que você e (até) eu desejemos. Mas ser ex-homofóbico é perfeitamente possível. E se um dia eu puder fazer isso acontecer, serei a pessoa mais feliz do planeta. E eu tenho certeza de que você também seria mais feliz.

Guilherme Ferreira Aniceto

quarta-feira, 1 de abril de 2015

O convite

Júlio acordou decidido a mudar sua vida. Seu namoro com Daiana andava morno, era só um filme em casa, com pizza, pipoca e Coca-Cola, todo final de semana. Júlio já não se sentia o mesmo do início, e acreditava que Daiana também havia mudado. Aquela relação já não dava a nenhum dos dois o prazer do princípio. Mas naquele dia, ele pensou:

- Hoje farei algo diferente! Hoje mudaremos. Convidarei Daiana para sair!

E lá foi Júlio, ao trabalho, pensando em Daiana somente. Pensando em convidá-la para sair.
Era sexta-feira, dia de Daiana ir à casa do namorado, para o programa de sempre: filme em casa, com pizza, pipoca e Coca-Cola.
Júlio só pensava:

- Hoje convidarei Daiana para sair!

Findo o expediente, Júlio correu para casa. Arrumar-se era preciso: vestir uma boa roupa, usar o melhor perfume, calçar o melhor sorriso. Ligou para Daiana:

- Daiana, hoje o dia é especial. Vista uma roupa bem bonita quando vier. Escolhi um filme diferente, e quero que o veja bem bonita.

Daiana concordou, mesmo sem entender por que deveria ir à casa de Júlio mais arrumada que de costume. Pensou que ele pudesse estar aprontando das suas, e acatou o pedido. Desligou, deixando-o com seus pensamentos:

- Hoje convidarei Daiana para sair!

No horário de sempre, Daiana chegou. Tocou o interfone. Júlio já estava à espreita ao lado do aparelho:

- Suba, Daiana!

Daiana subiu e, antes que batesse à porta, Júlio abriu, olhou-a em silêncio por uns cinco minutos, enquanto permaneciam plantados um de cada lado da porta. Daiana se antecipou:

- Não vai me convidar para entrar, Júlio?

Era a deixa:

- Não, Daiana. Hoje não te convidarei para entrar. Hoje te chamei porque quero te convidar para sair...

Daiana esboçou um sorriso, mas antes que terminasse de abrir os lábios, Júlio completou:

- ... sair da minha vida. - disse, enquanto retirava das mãos de Daiana a aliança de compromisso dos dois.

Júlio fechou a porta, sentou-se no sofá e, naquela noite, assistiu sozinho ao filme que passava na TV.
Daiana foi para o cinema, como já estava bem arrumada, e assistiu a um filme bem melhor.

Guilherme Ferreira Aniceto


terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

Elisa, senhora direita

Imagem disponível em: http://buildingabrandonline.com/
Elisa é uma senhora direita. Não bebe, não fuma, não tem Facebook, nem Twitter. Não entende a Internet. Casada há algumas décadas, vive longe do marido. Ele trabalha no Centro-Oeste do país. Ela, no Sudeste. A filha do casal mora com ela.

Viviane é o nome da pequena. Tem 10 anos somente. Estuda como uma condenada a coitadinha. Elisa, sua mãe, é linha dura. Não a deixa brincar muito, para não dispersar sua atenção no que o mundo oferece. Como dito, é uma senhora direita.

O marido, Arnaldo, distante das duas, só sente saudade. Trabalha duro para que um dia possa tê-las junto a si. Está guardando dinheiro para comprar uma casinha, onde possa abrigar sua família. Elisa, a esposa, só pensa em sair de onde está. Não gosta da vizinhança, não gosta dos colegas de trabalho, não gosta de ninguém, exceto sua filha e seu marido. Deles ela gosta, porque é uma senhora direita.

Certo dia, Arnaldo liga para Elisa e lhe diz que é hora de reunirem a família. Que já sacou todo o dinheiro no banco e já comprou a casa. Que mal pode esperar por vê-las. Elisa, senhora direita, diz que ainda não. Quer que a filha termine o ano letivo antes, quer que a vizinhança não comente, quer deixar o contrato de aluguel vencer, quer vender o que não pode levar, quer fazer milhões de coisas antes de ir.

Elisa é uma senhora direita. Tem uma reputação a zelar. Tem compromissos a cumprir. Tem desculpas para não se unir ao marido. E tem sua zona de conforto, onde tem também medo e apego à segurança da distância. Arnaldo não sabe, mas provavelmente nunca terá Elisa e Viviane consigo. Afinal, sua esposa é senhora direita e nunca dobrou a esquerda.

Guilherme Ferreira Aniceto

domingo, 15 de fevereiro de 2015

Originalidade


Imagem disponível em: http://www.cariacica.es.gov.br/wp-content/uploads/2015/01/carnaval31.jpg
Erica nunca gostou de Carnaval. Para ela, essa era uma data sem sentido. “Comemorar a alegria deveria ser coisa de todo dia”, costumava versejar. Naquele ano, no entanto, surgiu-lhe à mente uma ideia: “Minha fantasia será diferente da de todos os foliões e sairei no Bloco da Originalidade, serei a mais original da minha cidade!”. O bloco era um dos mais famosos do município, e competia todo ano com o Bloco da Imitação. Era uma brincadeira no Carnaval, que sempre foi animado na cidade de Erica.

O Bloco da Originalidade tinha de tudo, desde heróis dos quadrinhos até personagens da Disney. Todo ano era um desfile de fantasias exuberantes e/ou extravagantes. Mas Erica tinha planejado ter a fantasia mais distinta. E assim foi. Por onde passava na avenida, atraía olhares curiosos.

Os foliões a olhavam, ora maravilhados, ora espantados. Era uma fantasia esquisita, daquelas que no Carnaval ninguém ousaria vestir. Erica, no entanto, estava confortável com sua escolha. E não se importava com os olhares indiscretos em sua direção. “Estão todos surpresos com minha fantasia, eu sei e já sabia que assim seria, mas estou tranquila, feliz em vesti-la”, poetizava enquanto “sambava na cara da sociedade”, como diziam os outros foliões.

No Bloco da Originalidade, todo ano alguém levava um troféu, pela fantasia mais original. E naquele ano, não deu outra: Erica foi a premiada. Ao receber o prêmio, surgiu o questionamento: “Sua fantasia é original, é diferente, é extravagante, mas acreditamos que ninguém saiba ao certo de que você está fantasiada. Poderia nos explicar?”

Erica poetizou pela última vez naquela avenida: “Minha fantasia, meus caros, é original porque é única. Não visto aqui de um herói a túnica. Não visto o tridente de Netuno, tampouco o uniforme de um aluno. O que visto é uma roupa que encontrei em meu armário. Visto um cenário. Se querem mesmo saber, vim assim: fantasiada de mim.”

Guilherme Ferreira Aniceto

quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

A escolha de Carlos

Imagem disponível em: http://www.rft.com.br/news/tag/bifurcacao/. Acesso em 22 Jan. 2015.
Carlos encontrou Gilda. Gilda encontrou Carlos. Mas Carlos recebeu uma proposta para o trabalho que sempre quis, para o qual vinha se empenhando desde que se formou na faculdade.

Gilda tinha seu emprego dos sonhos no Sul de Minas. Carlos foi chamado para o Nordeste do ​Brasil ​(para Pernambuco, especificamente​)​.

Como Carlos diria à Gilda, que depois do encontro, viria o desencontro? Na cabeça dele, o amor deveria bastar para que ele ficasse em Minas e arranjasse um emprego por lá. Mas seu coração palpitava na dúvida. Era Pernambuco, era seu sonho. Era Gilda, era sua vida.

Carlos entendeu que a ​felicidade ​é um cobertor curto demais. Cobre os pés, descobre o peito. ​Cobre o peito, descobre os pés. Havia uma escolha a ser feita.

Gilda nunca soube da proposta ​de emprego. ​Carlos ​escolheu cobrir o peito e deixar que os pés de Gilda aquecessem seus pés quando estivesse frio.

Guilherme Ferreira Aniceto